A Cantora de Fados

DSC_0923Descalça, cabelos presos, maquiagem pedindo retoque. Batom vermelho enfraquecido, sombra azul com prata chamando atenção para as pálpebras largas. Camisa rosa, uma calça jeans e mil gestos que a caracterizam. Célia Pedro, de 58 anos, é natural de Itajaí e uma verdadeira personagem. Suas expressões fortes fazem o interlocutor viajar em suas histórias de vida.

Um pouco misteriosa e ao mesmo tempo expressiva, ela é querida por muitos, e o jeito alegre e carinho com que trata as pessoas explica isso. Amor, querida, filha… É comum ouvir ela se dirigindo assim aos outros. Ela praticamente não fala, declama. Tudo em volta parece que vira poesia ao seu olhar.

Ao falar do coração, Célia suspira. Namora? “Um pouquinho às vezes é bom…”Você ainda namora aquele conhecido? “Não, iiiii, esse que você quer saber… José Hamilton Ribeiro é um grande amigo, um paizão, ele cuida de mim. Ele é a pessoa que mais amo nesse mundo. Essa é a verdade.”

Célia Pedro não é mulher de religião, mas tem algo forte que a conduz. “ Nunca me entreguei a nenhuma seita, conheço todas, mas para mim é tudo teatro, decoreba. A verdadeira religião está dentro de você e às vezes nem mesmo você é fiel a ela. Minha fé é meu estado de espírito.”

Ela se define como louca, descomprometida, e pronta para tudo. “E que nasceu com esse defeito, cantar, porque não tem lugar em que eu não esteja cantando.” Defeito? “Não sei se é qualidade ou defeito, as pessoas por serem boazinhas até dizem que é uma qualidade, mas eu penso que muitas vezes é um defeito. Ela diz isso um tanto indignada porque acredita que muitas vezes parece que perde o respeito com determinadas pessoas, determinados lugares. “Porque tudo para mim são deixas de determinadas ações minhas sai uma canção.”

Ela nasceu com a música e a música nasceu com ela. Mas o surgimento do fado em sua vida, até hoje é uma interrogação. Célia conta ainda está em busca de alguma coisa que justifique. “ Porque na minha família só eu canto música portuguesa.”

De repente surge a música portuguesa na cabeça. “Aquilo veio para mm.”. Como uma inspiração? “ Mas da onde, amor? Porque quando eu me dei conta, em quatro meses eu estava no palco da Marejada cantando.” Disse isso como quem diz que há algo sobrenatura, “eu penso que sim.”

Para ela, a música portuguesa tem um poder que nenhuma outra tem. “Nenhuma fala como fado. A interpretação do fado é muito doce. Muito envolvente. Ela mexe com você de uma maneira que dependendo da letra, tu chora.”

Trabalhou durante trinta e seis anos nos Correios, em Itajaí. Lá fez fama, como a mulher que canta nos correios. “ Ninguém me conhece como cantora de fados e sim como a mulher dos correios.” Para ela, o lugar foi como o primeiro lar. Quando iniciou não era casada, nem tinha filhos, por isso fez de trabalho, uma família. Iniciou nos telégrafos.” Eu conhecia todas as pessoas por vozes.”

Quando questionada a respeito da cidade onde mora, muda. Fica inquieta e um tanto nervosa. Um dos sonhos é ter uma casa de fados. “ Já pensei muito em fazer na minha própria casa, porque o lugar lá é lindo.”

Célia Pedro vai assim, cantando, gesticulando, falando de seu amor pelo Fado.

“Meu querido Portugal… És jardim de meus amores. Meu querido Portugal, és poesia, tradição. Meu querido Portugal, por te sofri, porque te quero, teus amores meus cantores, meu querido Portugal…”

“Um celeiro de cultura”

A afinidade com a música apareceu cedo na vida da itajaiense Bárbara Damásio. Aos seus sete anos, os pais perceberam que um frasco de desodorante virava microfone na mão da menina de cabelos cacheados, que saía cantando pela casa a todo tempo.  Apesar de a família residir na cidade vizinha, Balneário Camboriú, Bárbara foi matriculada no Colégio de Aplicação da Univali, em Itajaí, para que desde cedo pudesse participar do coral infantil do CAU, coordenado à época pelo professor Arildo Simão. Foi através dele que a menina conheceu o universo musical, se encantou com a seresta e a MPB.  Filha de mãe artesã e pai DJ, se desenvolveu em contato direto com a música e recebeu total incentivo da família. Cresceu no coro infantil, estagiou ao lado do professor Arildo na adolescência e, aos treze anos, passou a viajar para Curitiba para fazer cursos na área.

Apesar de todo esse envolvimento, ainda adolescente não achava que a música era “sua história”, apesar de já cantar em bares da cidade. Quando criança, pensava em seguir carreira como arquiteta. O pai não entendeu quando Bárbara resolveu cursar Jornalismo na Univali. DJ, sempre acreditou no talento da filha e investiu em seus estudos musicais. Ainda assim, Bárbara decidiu pela formação de comunicadora social. Para ela, “a comunicação e a arte têm uma relação muito natural”. Hoje, um de seus trabalhos é o programa semanal “Conversa Improvisada”, na rádio Univali, em que entrevista músicos da região. Foi somente aos 19 anos que se assumiu como cantora profissional e montou o espetáculo “Bárbara canta Chico”, que considera o “grande marco de sua carreira até hoje”.

O primeiro espetáculo foi apresentado no Teatro Municipal de Itajaí em janeiro de 2006, e obteve sucesso de crítica. Nele, a cantora fugiu das composições mais convencionais de Chico Buarque, no que chamou de um “show lado B”. Com participação de convidados também expoentes da terra peixeira, como Chico Preto e Giana Cervi (cantora brusquense, mas radicada em Itajaí), o espetáculo deu brilho ao nome de Bárbara.

Decidida a levar a música em paralelo à comunicação, ingressou na faculdade de Licenciatura em Música, também pela Univali. Foi uma porta para que começasse a lecionar para crianças em projetos governamentais e escolas de arte de Itajaí e Balneário Camboriú. Para ela, toda criança tem a música dentro de si, e por isso recebe muito abertamente o ensinamento, o que torna a aula muito gostosa. Hoje também ensina canto para jovens e adultos. Mas, se policia para não se prender apenas às aulas e deixar de lado o trabalho como intérprete. Apesar de adorar lecionar e apresentar seu programa, ama mesmo é cantar.

A cantora, educadora e jornalista lembra que a cidade já teve mais espaço para a música. Ajeita os óculos de grau e trança os dedos ao falar de um tempo do qual sente saudade.

– Itajaí teve um momento de mais efervescência cultural e perdeu muito com a interdição do Mercado Público. Houve época em que o espaço recebia artistas locais nas quartas-feiras, sextas, sábados e domingos, e hoje isso está reduzido.

Para a cantora, os encontros frequentes no Mercado eram uma maneira de valorizar e dar visibilidade à arte itajaiense e regional, já que o trânsito de turistas no local era intenso. Além disso, era uma casa para quem apreciava e fazia arte, onde todos se encontravam, montavam parcerias, criavam laços e conheciam trabalhos novos. “Há dois anos e meio Itajaí não vive isso de forma tão intensa”.

Bárbara acredita que o que influencia a efervescência da cultura é a maneira dos gestores políticos atuarem na cidade. O incentivo do governo municipal à cultura é muito essencial para que o artista possa criar e se estabelecer. Mas reforça que, independentemente da gestão, Itajaí tem muita gente boa produzindo, e é isso que faz da cidade um celeiro.Bárbara Damásio 2

– Itajaí tem muito artista, muita gente fazendo disco, muita produção. E muita gente que vem de fora, atrás da fama que a cidade construiu ao longo de anos de Festival de Música, principalmente músicos e atores que vêm pra cá buscar seus pares e construir sua história.

Apesar de considerar surpreendente a quantidade de artistas na cidade, Bárbara destaca a dificuldade de encontrar produtores, razão pela qual foi responsável por boa parte da produção e divulgação do primeiro e do segundo espetáculo, “Você é mesmo essa flor”, gravado em 2010 no Teatro Municipal. Segundo ela, ainda falta estrutura na cidade para impulsionar os talentos locais. Apesar dos entraves, o talento da cantora atraiu a participação da renomada Elza Soares no último espetáculo e conquistou a gravação de dois CDs e DVDs.

A moradora de Balneário Camboriú sorri ao se declarar para a cidade que diz sempre tê-la acolhido artisticamente. Diz dever muito a Itajaí, pois foi através dela que pode tornar pública sua arte. Conta que ama as peculiaridades do povo itajaiense e se diverte com as figuras que encontra nas ruas daqui, como ‘o cara do “olha o pão, bananinha” ’, vendedor ambulante que percorre a cidade de bicicleta, assoviando e oferecendo seus produtos. Bárbara conta adorar até o relevo da cidade, que é plana, ideal para caminhar e andar de bicicleta.

– Itajaí é uma cidade fantástica, eu adoraria morar aqui e ainda pretendo. Na verdade, minha vida se fez em Itajaí, eu só vou pra Balneário pra dormir. Meu trabalho, meus estudos e todo o resto eu sempre fiz aqui.

Além das belezas naturais como as praias e morros, Bárbara destaca como especiais os patrimônios históricos da cidade. Aprecia os casarões antigos tombados, como os locais que hoje abrigam a Fundação Cultural, a Receita Federal e o Museu Histórico.

– Infelizmente, uma boa parte disso já foi embora. Itajaí tem um certo cuidado com

isso, mas tem muita coisa que poderia ser preservada e não é. Esses locais poderiam virar pontos de cultura abertos para a toda a população. Itajaí é riquíssima em cultura, tem um povo dedicado a ela, mas faltam espaços para socialização. Acho que a cidade ganharia muito e ficaria ainda melhor.

 Bárbara Damásio fala sobre Itajaí

Bárbara Damásio canta Carlos Niehues

Bárbara Damásio

Bárbara Damásio

Bárbara Damasio 1  Bárbara Damásio 2